Almandrade on Fri, 24 Jan 2003 15:23:01 +0100 (CET)


[Date Prev] [Date Next] [Thread Prev] [Thread Next] [Date Index] [Thread Index]

[nettime-lat] arte/cidade









A ARTE E A CIDADE




    Não diz respeito à arte a invasão de caricaturas como certos monumentos
e muros pintados que mascaram ou são atributos de decoração da paisagem
urbana. O artista tem uma responsabilidade e uma cumplicidade quando leva
para a rua o seu trabalho, não é simplesmente colocá-lo na praça sem passar
por um processo de reflexão e adaptação ao espaço público. Vivemos num mundo
dominado pela imagem, e a arte deve ser a imagem que desvia o olhar para o
pensamento e para o poético.
    Se fazemos parte de uma civilização da imagem, das técnicas de
publicidade, do Design, do planejamento, a visualidade urbana é um campo
simbólico onde tudo é substituível, o que significa o processo continuo de
construção e reconstrução do espaço urbano. Um lugar de lutas, de lazer, de
trabalho e devaneios de gerações. Esse espaço construído sem surpresas, sem
novidades, sem expectativas, precisa ao menos ser conservado como corpo vivo
de uma sociedade. A cidade necessita da arte para construir seu espaço
sensorial. A paixão pelas formas, pelas cores, sempre fez parte da história
do homem, desde os tempos das cavernas.
    A arte e a rua, às vezes ligadas pelo mesmo equívoco. Os lugares
públicos são invadidos por determinadas imagens, sem dúvida fenômenos
culturais, mas sem nenhuma preocupação conceptual e formal com a realidade
local; portanto distante daquilo que a história tem nos ensinado como arte.
O pacto que vai determinar a inserção da arte na cidade não se reduz a
finalidades utilitárias de estetizar o campo social. O espaço urbano é um
suporte de visualidades  estranhamente díspares, e a intervenção da arte é
um meio de gerar conhecimentos que alteram ou enriquecem a percepção do
cotidiano. Ou de marcar a paisagem urbana com a referência do enigma que faz
da cidade também um abrigo de imagens poéticas.
    Para se defender da ameaça do tempo e sustentar uma demanda de
eternidade, o homem inventa com a arte símbolos secretos que atravessam
gerações e os depositam, entre outros compartimentos, no espaço urbano. As
ruas e praças são incorporadas de significações singulares (imagens
subjetivas), que revertem a banalização da imagem urbana desenhada por um
planejamento que desconhece ou desconsidera as fantasias e devaneios de seus
usuários.
    Escassos recursos para se construir espaços habitáveis, perdas de tempo
nos deslocamentos, carência de valores simbólicos, um esquema rigoroso e
impessoal de um planejamento voltado para a ortopedia social, contradizem as
necessidades materiais, sociais e psicológicas da qualidade de vida nas
grandes cidades. É inegável a exatidão da vida prática moderna modelada pela
economia, pela administração e pelo tempo do relógio, intensificando ainda
mais a indiferença aos sentimentos e as paixões. Ao usuário é reduzido o
direito de viver sua própria individualidade. A arte ao contrário da
publicidade que invade o espaço habitável para vender um produto, ou de
certos murais e  monumentos que ilustram o compromisso de um sintoma
cultural, ela devolve ao sujeito sua intranqüilidade perdida, expõe ao olhar
o desconhecimento, fazendo um convite ao pensamento. Com a arte se introduz
na cidade um comportamento perceptivo, um olhar descontraído. A liberdade de
imaginar.
    A arte devolve ao homem o prazer de estar diante de signos que não ditam
ordens de serviço ou de consumo.
Almandrade
Artista plástico, poeta e arquiteto



 Almandrade


www.expoart.com.br/almandrade


_______________________________________________
Nettime-lat mailing list
Nettime-lat@nettime.org
http://amsterdam.nettime.org/cgi-bin/mailman/listinfo/nettime-lat