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Do sítio Caros Amigos (www.carosamigos.com.br)

Família Marinho prepara destruição de paraíso ecológico em área indígena
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por José Arbex Jr.

    As comunidades do litoral do município de Aracruz (ES), principalmente 
do distrito de Santa Cruz, suas entidades populares, ambientais, aldeias 
indígenas tupiniquim e guarani e outros segmentos da sociedade lutam na 
Justiça junto aos órgãos federais (Ministério do Meio Ambiente, Ibama 
etc.), estaduais e municipais, com apoio do Ministério Público e da 
Advocacia Geral da União, para impedir a destruição de ecossistemas e 
recursos marinhos e costeiros ameaçados pela implantação de indústria 
primário-extrativista de calcário marinho.
     A Thotham Industrial pretende obter licença ambiental do Ibama para 
retirar cerca de 50 mil toneladas por mês de algas calcárias, numa vasta 
extensão desde Santa Cruz (Aracruz) até Nova Almeida, litoral da Serra. 
Para os cientistas éticos, a atividade mineradora causará danos 
irreversíveis ao meio ambiente, à população, à pesca e provocará a extinção 
de espécies raras e erosão nas praias.
     O prefeito de Aracruz, Luiz Carlos Cacá Gonçalves (PSDB) - que 
responde a mais de uma dezena de processos por improbidade administrativa - 
"doou" por decreto uma área de 50 mil m2 para que a empresa Thotham 
Industrial instale seu porto e pátio de secagem no distrito de Santa Cruz, 
em terras da Reserva Ecológica dos Manguezais dos rios Piraquê-mirim e 
Piraquê-açu (criada pela Lei Municipal 994/86), pertencentes aos índios 
Tupiniquim e Guarani e protegidas por leis federais.
      A matéria-prima seria dragada próximo da costa e do estuário desses 
rios e escoada em sua foz por grandes embarcações, ameaçando uma infinidade 
de riquezas naturais e a sustentabilidade das aldeias indígenas e dos 
milhares de habitantes tradicionais.
      Um grupo técnico formado por pesquisadores do Museu Nacional do Índio 
e da Funai já esteve no local e constatou que toda a área pertence 
realmente aos índios. O relatório do estudo do GT foi acatado pela Funai e 
anexado ao processo de licenciamento do Ibama, despachando contra o 
licenciamento. O advogado da Thotham, João Luiz Caetano, entretanto, alegou 
que a Thotham possui uma liminar da Justiça Federal autorizando a 
reintegração de posse do terreno e, segundo ele, independente do relatório 
da Funai, "existem recursos jurídicos que possibilitam a impugnação do 
laudo final".
      A certeza dos empresários e de alguns políticos de que sairão 
vitoriosos está no poder econômico que está por trás da iniciativa (basta 
dizer que um dos sócios é da família Marinho, Eduardo Marinho Christoph). 
Recentemente eles se reuniram em Brasília com o Ministro do Meio Ambiente, 
Sarney Filho, e com o Ministro da Justiça, José Gregori, para pressionar a 
liberação da licença pelo Ibama (subordinado ao MMA) e da área em Santa 
Cruz pela Funai (MJ).
      Junto à população mais carente da região, a Thotham está utilizando 
de outros artifícios: no Natal/1999, enviou cartões aos munícipes e 
distribuiu cestas básicas condicionando a entrega dos alimentos à 
assinatura de uma lista que posteriormente foi transformada em 
abaixo-assinado em favor da empresa além de criar promessas falsas de 
empregos para a população carente, o que se prova pela documentação 
entregue à Seama-ES e ao Ibama-DF que cita poucos cargos, a maioria 
técnicos e administrativos.
      Várias ações na Justiça e processos no Ministério Público e órgãos 
ambientais tentam impedir que não só os ecossistemas associados da região 
(costeiro, estuarino, manguezal, restinga, mata-atlântica e mangue-marítimo 
(raro, estudado por Ruschi) sejam preservados mas também as belezas 
naturais próprias para o eco-turismo, gerando emprego e renda, em vez de 
causar prejuízos às atividades dos pescadores e das populações tradicionais.
     O documento Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) entregue pela empresa 
ao Ibama contrasta totalmente com opiniões de outros cientistas 
especializados no assunto, além do que esse documento elaborado para 
subsidiar o licenciamento foi realizado em menos de 4 meses, tempo 
insignificante para o real aprofundamento dos estudos e avaliações de 
impacto sócio-ambiental que tal atividade mineradora marinha realmente 
necessitaria para subsidiar um levantamento dessa natureza.
      Para impedir não só a exploração de algas calcárias no litoral 
capixaba mas também outras atividades predatórias, várias entidades, 
organizações em defesa do meio ambiente, lideranças indígenas, comunitárias 
e outros segmentos da sociedade capixaba entregaram, em Brasília, o projeto 
de criação da Área de Proteção Ambiental (APA) de Santa Cruz.
      Na ocasião, o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho designou que o 
diretor de Unidades de Conservação e Vida Silvestre do Ibama, Luiz Márcio 
Haddad Santos, providenciasse a documentação necessária para que o 
Presidente FHC decretasse sua criação em junho próximo, no dia do meio 
ambiente. Depois, em reunião com as entidades, o Presidente do Ibama, 
Hamilton Casara, também pronunciou-se pela necessidade de criar uma área de 
proteção ambiental na região.
      A APA de Santa Cruz será a segunda APA no Espírito Santo, num total 
de 1.018,6 km2 dos quais 913,8 km2 em mar e 104,8 km2 no continente. No 
mar, a proteção se estenderá até a profundidade de 50 m, a uma distância 
média de 36 quilômetros da costa. Além do banco de algas calcárias na foz 
do rio Piraquê-açu, a APA de Santa Cruz visa preservar da dragagem da 
Thotham o boto Sotalia fluviatilis (único local de ocorrência no ES) e as 
algas Laminaria (conhecida "bananeira", plantas de mais de 40 metros de 
altura), além de espécies ainda não conhecidas pela ciência. Visa também 
estimular nova orientação sócio-econômica na região, a partir de projetos 
de conservação e educação ambiental à população.
       Para o Dia do Índio (19 de abril), as comunidades indígenas Guarani 
e Tupiniquim estavam programando protestos contra a doação de suas terras e 
da reserva ecológica para a Thotham e contra a pressão que a Funai e o 
Ibama estão sofrendo da família Marinho. Apesar da ilegalidade da "doação" 
por parte da prefeitura, a Justiça concedeu liminar favorável à empresa e 
deu um prazo para que os índios deixem o local. Ironicamente, este prazo 
terminou no dia 19, exatamente no Dia Nacional do Índio.

José Arbex Jr. é jornalista



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